quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


O LABIRINTO DO FAUNO (crítica)



Não é que os contos de fadas apenas tenham uma lógica interna ou que supram, pela simbologia, os medos humanos. Também são heranças maravilhosas para que, na mão de um cineasta com uma concepção de cinema, transcendam sua origem moralista e contem, pelo simples desejo de contar uma bela história, aquele algo que arrebate, tanto na forma quanto no conteúdo.

O diretor Guillermo del Toro, ao conviver com seus fantasmas de uma infância rígida, nos presenteia com este O labirinto do fauno, um surpreendente diálogo entre uma história fabulosa e um filme sobre opressão e liberdade na Espanha da guerra civil. Situa-se no ano de 1944 e narra a pequena odisséia de Ofélia (Ivana Baquero), uma garota de 13 anos que acompanha sua mãe, Carmen (Ariadna Gil), para descansar e ficar em trabalho de parto no lugar onde se encontra o capitão Vidal (Sergio López), um cruel agregado do exército franquista e novo marido de Carmen.

A missão de Vidal é acabar com os vestígios da resistência republicana, escondida nos bosques ao redor. Por outro ângulo, convivem também com o capitão uma governanta chamada Mercedes e um médico (Alex Ângulo) que tem a missão delicada de cuidar do estado de saúde de Carmen. Uma noite Ofélia descobre as ruínas de um labirinto, nos fundos da casa, e lá encontra um fauno (Doug Jones), uma criatura mitológica com uma revelação: Ofélia é na realidade uma princesa por quem os súditos, num mundo subterrâneo, estão esperando há muito tempo. Para poder regressar, tem que cumprir três provas antes que a lua fique cheia.

Ofélia é uma personagem que fascina. Ela sofre todo tipo de resistências. Ela aproveita todas as brechas, as desatenções para, com ajuda do fauno, receber instruções e cumprir tarefas. Por outro lado, o padrasto imposto também cumpre tarefas, e é implacável em conter focos de resistência enquanto espera o nascimento do filho, no seu entender, herdeiro de sua estirpe. A tensão que se estabelece entre ele e sua enteada está na cena em que Ofélia, ao conhecê-lo, oferece a mão errada (na outra, os inseparáveis livros de histórias). A partir daí, com a descoberta do labirinto (belo cenário, impondo sua antiguidade), o filme se bifurcará em duas tramas, e para o espectador, junto com a heroína, a crueza da realidade terá consolo – ou escapismo – no fascinante mundo da imaginação, que em nenhum momento, interfere por vias diretas, mas – e isso é fundamental na intimidade que o diretor tem com a simbologia dos contos de fada – por processos, auto-conhecimento, superação dos limites. Ofélia precisa resgatar seu irmãozinho e vai se esgueirando, através de pequenas tragédias ou de grandes acontecimentos do regime franquista, para sua própria lenda, não menos real do que a realidade.